Eu já falei algumas vezes por aqui que uma das atividades essenciais da organização é o ato de destralhar, ou seja, se livrar do que não usamos, não tem utilidade ou valor. Um mantra da organização é que não se organiza tralha, então antes de começar qualquer processo de organização é preciso fazer o processo de destralhe.
Normalmente quando falamos em destralhar, associamos com objetos, com organização física de ambientes. É bem clara a importância de destralhar quando falamos de organizar o guarda roupa ou colocar a papelada em ordem, por exemplo.
Mas o que eu percebi é que esse conceito pode ser ampliado, indo além da organização e do ato de se livrar de coisas materiais. Pensando em termos de produtividade, destralhar também pode ser extremamente positivo. Não faz muito tempo, eu fiz um post falando sobre a relação entre simplicidade e produtividade, no sentido de que simplificar pode ser a chave para ser mais produtivo, através da eliminação de tudo que não te agrega, não te leva mais para perto dos seus objetivos ou não te faz feliz. E essa eliminação nada mais é que o ato de destralhar.
Aliás, vai além, por que destralhar está associado principalmente a objetos. Talvez possamos falar em desapagar, que inclui o próprio processo de destralhe, mas envolve também abandonar projetos que não fazem mais sentido, deixar de lado metas e objetivos que não ecoam mais o seu propósito, se livrar de tarefas desimportantes, estar atento ao excesso de informação e por aí vai.
A necessidade do destralhe ou do desapego, vem de uma tendência que me parece ser quase instintiva ao ser humano: acumular. Acho que a maior parte das pessoas gosta de “acumular” alguma coisa, em maior ou menor grau. Talvez isso possa ser explicado historicamente e cientificamente, de quando o ser humano ainda era nômade e era essencial à sobrevivência guardar o máximo possível de recursos, pois não se sabia quando estariam disponíveis outra vez. Daí deve ter surgido o medo de faltar alguma coisa, de guardar hoje pensando que em algum momento do futuro o que foi guardado poderá ser útil ou necessário.
E não é difícil entender a lógica desse pensamento e ver que ele faz total sentido. Mas hoje temos muito mais “coisas” que podem ser guardadas, desde objetos até ideias, obrigações, arquivos de computador. E daí guardamos tudo e acumulamos gigas e mais gigas de arquivos digitais, listamos ideias de coisas que queremos fazer, empilhamos metas uma atrás da outra, nos sobrecarregamos de tarefas, tudo isso porque temos medo (a maior parte das vezes inconsciente) de desapegar de alguma coisa e futuramente isso se mostrar um erro.
Foto de Ella Jardim em Unsplash
A questão, então, não é necessariamente querer guardar coisas e sim acumular excessivamente, guardando de forma indiscriminada, sem parar para pensar se algo merece realmente ser guardado ou pode ser deixado de lado. E aí vêm as consequências: bagunça, cansaço, falta de tempo, falta de energia.
O acúmulo e, por consequência, a necessidade de desapego pode se manifestar em diversas áreas. Temos o acúmulo mental, quando nossa cabeça fica cheia de ideias, projetos, sonhos, metas, planos. O mais comum e mais visível é o acúmulo de coisas físicas e o resultado é um ambiente atulhado, uma casa (ou escritório) cheia de coisas misturadas e no qual temos dificuldade de encontrar qualquer coisa.
O acúmulo digital é relativamente recente, mas tão comum quanto o físico, porque hoje temos toda uma vida no mundo virtual. E aí temos inúmeros e-mails para ler, mensagens para responder, redes sociais para checar, links infinitos salvos para ler mais tarde, mil e um programas no computador e aplicativos no celular que mal sabemos para que servem. E por fim temos o acúmulo de responsabilidades que assumimos e que nos levam a ficar sobrecarregados de compromissos, tarefas e atividades.
Desapegar pode ser estressante. Precisamos olhar de forma crítica para tudo aquilo que temos acumulado e avaliar cada item para decidir o que vai embora e o que fica; analisar o que é realmente importante, útil ou tem valor (inclusive emocional) e o que não faz sentido manter. Vamos falar um pouco sobre cada uma das situações de acúmulo.
Acúmulo de coisas materiais
Eu já falei sobre a importância do destralhe nos diversos posts de organização de ambientes aqui do blog. É impossível organizar se você tem mais coisas do que espaço para guardá-las. E mesmo que o espaço não seja um problema para você, pense se você quer mesmo manter guardadas várias coisas que não tem qualidade ou utilidade e que você sequer gosta ou lembra que existem. Sem pensar que as coisas que você realmente gosta e usa ficam perdidas dentre todas as outras que você insiste em guardar.
Uma lista de coisas para você avaliar se está acumulando.
- Roupas
- Acessórios (bolsas, sapatos, bijuterias)
- Itens de cozinha (copos, pratos, potes)
- Objetos de decoração
- Papéis
- Itens diversos ou de coleção (livros, revistas, CDs, etc).
Foto de Jesus Hilario H. em Unsplash
Acúmulo no ambiente digital
Esse acúmulo talvez seja mais difícil de identificar porque não é visível. Mas ele se manifesta na sua caixa de e-mails abarrotada; nos inúmeros aplicativos no celular que você mal usa ou nem se lembra porque baixou, na falta de memória do celular devido a enorme quantidade de fotos e vídeos armazenados; na dificuldade de achar uma foto, arquivo ou e-mail específico em meio a tudo isso que você acumula sem nem pensar.
Cada um desses itens pede uma abordagem diferente sobre como lidar com a bagunça e o excesso e colocar tudo em ordem. Aqui mesmo tem um post falando só sobre organização da sua vida digital. E se quisermos ir além podemos falar do excesso de tempo em que ficamos online e como isso pode atrapalhar não só na produtividade mas também na sua qualidade de vida. O processo de detox digital é uma opção para cuidar desse tipo de acúmulo.
Acúmulo Mental
Agora estamos falando de tudo que fica rondando nossa mente: ideias que temos, projetos que queremos colocar em prática, sonhos, metas, objetivos. E fica ainda pior se você for o tipo de pessoa que guarda apenas na cabeça as coisas que precisa fazer: horários, prazos, compromissos. E aí haja energia mental para seu cérebro lidar com o acúmulo de coisas: lembrar o dia da reunião e o horário da consulta no dentista; não se esquecer da sua meta de aprender italiano até o final do ano e nem da viagem que você quer fazer para aquela praia que o seu amigo indicou (qual era o nome mesmo?), sem falar daquele livro que você quer ler ou do filme que tem interesse em ver.
A primeira coisa a fazer para aliviar seu cérebro desse mar de informações e descarregar tudo em uma caixa de entrada. Mas não pense que isso resolve o problema: não é porque você anotou que as coisas se resolveram. Você precisa decidir o que vai fazer com cada coisa anotada: faz sentido manter aquela informação ou é algo sem utilidade que você pode simplesmente deixar pra lá? Se você não fizer essa triagem estará apenas transferindo o acúmulo de um lugar para o outro: da sua mente para o papel.
E aí você fica com uma lista enorme de coisas a fazer e sem desapegar, essa lista vai se traduzir em uma lista de tarefas sem fim, que te deixa sem tempo, sem energia e até sem motivação porque você tem uma quantidade infinita de coisas a fazer. E isso nos leva ao próximo item.
Foto de John Kappa em Unsplash
Acúmulo de “coisas a fazer”
Uma das reclamações mais comuns de quem busca aprender sobre produtividade e organização é: “tenho mil coisas a fazer e não tenho tempo para nada”. Quando me dizem isso, as pessoas esperam que eu dê dicas de como conseguir tempo para fazer todas essas mil coisas. E a minha resposta é sempre a mesma e muitos se decepcionam ao ouvi-la pela primeira vez: você não precisa de mais tempo e sim ter menos coisas a fazer.
À primeira vista isso parece sem sentido, mas essa ideia tem tudo a ver com o conceito de produtividade que eu acredito e compartilho e que passa por ter clareza sobre suas prioridades, planejar o uso do seu tempo e buscar o equilíbrio.
Tudo isso envolve uma mudança de mentalidade que eu acredito ser essencial para qualquer pessoa que busque uma produtividade real e não essa produtividade tóxica que diz que você precisa fazer cada vez mais coisas e cai naquela velha frase de “trabalhe enquanto eles dormem, estude enquanto eles se divertem” e esse blábláblá todo que não faz nenhum sentido para mim, a não ser indicar o caminho para uma vida infeliz e nem um pouco saudável.
Ou seja, eu repito sempre que para mim produtividade é fazer as coisas certas, o que é importante, buscar o equilíbrio, fazer de forma eficiente aquelas coisas que você realmente precisa fazer, por obrigação, para conseguir ter tempo para fazer todas as outras coisas, aquelas que te deixam feliz e te fazem bem. E chegar nisso começa com o desapego de tarefas, projetos e atividades.
Para finalizar quero dizer que o intuito desse post é mostrar sobre a importância de desapegar para que as coisas fluam melhor. E isso não só em termos de organização e produtividade, mas da vida como um todo. Todos nós podemos estar acumulando tralhas que nos impedem de conseguir organizar, ter uma vida mais produtiva e mais leve e até de conseguir colocar em prática nossas metas. São pesos desnecessários que guardamos e que só servem para dificultar nossa vida.
Logo eu quero fazer outro post, com dicas práticas de como desapegar em cada uma dessas áreas que eu citei. Lembrando que o conceito de tralha é pessoal e só você pode decidir do que desapegar. Só você sabe e tem capacidade de avaliar o que é realmente importante e você gostaria de manter e isso vale desde coisas materiais até sonhos e projetos
Por enquanto, me conta aqui: onde você tem mais dificuldade de desapegar? Objetos? Na vida digital? Ou de tarefas e projetos que não fazem mais sentido mas você insiste em continuar gastando tempo e energia com eles?
Até mais,
Juliana Sales.
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